quarta-feira, 14 de agosto de 2019

TREKKING FERROVIA DO TRIGO – RS (Primeiro dia)



Uma das travessias mais bonitas das Américas, a Ferrovia do Trigo, se encontra no coração do Rio Grande do Sul, entre as cidades de Muçum/RS e Guaporé/RS e é percorrida inteiramente sobre os trilhos do trem, hoje ainda ativos e utilizados para transporte de carga pelo interior gaúcho. A Ferrovia do Trigo foi construída durante o governo militar, na década de 70, sendo inaugurada no ano de 1978, pelo presidente Ernesto Geisel. A obra foi um marco que impactou a economia e comércio na região, e se tornou um ícone pelo desafio topográfico que representava. Durante o trajeto entre as duas cidades citadas, são mais de 30 túneis e mais de 20 viadutos suspensos, sendo que o maior túnel tem mais de 2km de extensão, e o viaduto mais alto, o famoso “viaduto 13”, ou V13, tem 143m de altura e figura como o maior viaduto ferroviário das Américas e um dos mais altos do mundo.
Depois de muita pesquisa sobre o trajeto, vídeos e mapeamento nos prepararam para o trekking, que até então seria o mais longo e desafiador que já havíamos feito, visto que nossa maior distância até então era de 16km de Igrejinha/RS até o templo budista de Três Coroas/RS. A data foi escolhida, foi o feriado de carnaval de 2017, onde pretendíamos em três dias percorrer, de forma tranquila e sem exorbitante esforço a referida travessia. (como fomos ingênuos na parte de tranquila e sem esforço...rs)

Os parceiros de travessia, como na maioria dos projetos foram minha namorada, Carine Arnold e meu grande amigo e parceiro de loucuras, o recém ordenado Padre Leandro Scherer, que havia conseguido com um conhecido um contato na cidade de muçum, que se dispusera a nos levar até o início da trilha e buscar no final dela. No sítio desse senhor também deixamos nosso carro, assim que chegamos na cidade de muçum.
Levamos equipamentos para camping selvagem, visto que tínhamos em mente aproveitar ao máximo essa experiência de conexão com o passado e natureza. Minha mochila foi a parceira de todas as horas, Náutika Intruder 45L, Carine estava com sua Quechua respirável e o Padre estava estreando a sua Quechua Forclaz 50L, que atualmente também é a mochila que uso em minhas travessias. Dois fogareiros a álcool, utensílios de cozinha, comida para três dias, barraca (para Carine e eu) e uma rede (o padre não gosta muito de dormir em barracas...haha).

Eu (Marlon Tegner), minha namorada (Carine Arnold) e Padre (Leandro Scherer)

Sábado, 25/02/2017. (Primeiro dia de Travessia)


Saímos próximo ao meio dia de Igrejinha/RS em direção a Muçum/RS, cidade que escolhemos para iniciar o trekking. No caminho, aproveitamos muito a paisagem, visto que fomos por uma rota repleta de vinícolas e plantações de uva na região de Garibaldi/RS e Bento Gonçalves/RS, passamos por diversas tendas e pelas margens do imponente rio Taquari. Chegamos a cidade já na parte da tarde, deixamos nosso carro na casa dos nossos novos amigos e fomos deixados por eles junto aos trilhos do trem, próximo a ponte que dá acesso a cidade. Era em torno das 17h em pleno horário de verão, então sabíamos que ainda tínhamos umas 2h de luz do sol para andarmos alguns quilômetros e encontrar algum lugar para montar acampamento e começar a preparar o jantar. No estudo da região, vi pelos mapas que o rio Guaporé acompanhava a ferrovia durante todo o trajeto, de Muçum até Guaporé, logo, seria fácil achar um local para montar acampamento e pegar água as margens do rio. Triste engano... Vocês logo vão entender por que. Haha

Entrada da cidade de Muçum/RS

Depois de alguns quilômetros andados, chegamos a uma antiga estação abandonada do trem que mais parecia cenário de um filme de terror. Paredes pichadas, lixo espalhado por todos os lados, latas, plásticos de preservativos e restos de fogueira. Tiramos algumas fotos e seguimos, visto que logo escureceria e ficar ali naquele lugar sinistro não era uma opção. Haha. Após mais alguns quilômetros sobre os trilhos velhos e irregulares, e já sentindo as britas enormes machucando as solas dos pés, quando pisávamos fora dos dormentes de madeira, começando a sofrer também pelo peso das mochilas, de 13kg a 18kg que carregávamos, percebi o grande erro de planejamento que cometi, assim que chegamos a uma clareira e tivemos a primeira vista da região. De Muçum a Guaporé, os trilhos seguem um caminho em elevação, subindo a serra, e mesmo nos mapas o rio parecer estar ao lado da ferrovia, na “vida real” estava realmente ao lado, porém, com um desnível de uns 30 a 50 metros. A ferrovia seguia em cima do morro, sempre subindo, e o rio estava longe, lááááá embaixo... Que tristeza nos deu! Kkk
Estação abandonada

Seguindo em frente, tentando encontrar um acesso para o rio, cansados, não encontrávamos opção alguma de local para armar acampamento às margens dos trilhos, visto que eram muitas e muitas pedras e mata fechada impenetrável do lado direito dos trilhos. Do lado esquerdo, um barranco cheio de pedras enormes e também mata fechada, bastante perigoso de adentrar. Nessa altura, já era passado das 20h e estava quase escuro, nos forçando a ligar as lanternas. Já muito cansados e com fome, decidimos arriscar e tentar descer pela grande saliência de pedras soltas e tentar chegar a margem do rio para montar acampamento. Ligamos as lanternas reservas e em fila indiana começamos a descer. Estava muito calor, úmido e havia muitas pedras começando a se soltar, então a descida precisava ser muito atenta e devagar. Em meio às pedras, muitas aranhas armadeiras corriam e causavam um pouco de medo, pois naquela altura, ser picado por um inseto seria desastroso! 
Depois de uns 20 min de descida com muita cautela, nos vimos em meio a uma plantação de milho, e ao longe avistamos uma casa com as luzes acesas, cachorros latindo e um morado nos acompanhando com o olhar desconfiado ao longe. Resolvemos gritar e nos identificar, para evitar quaisquer tipo de problemas, como ser baleado pelo dono da propriedade. Haha. Subi em uma pequena elevação em meio ao milho e gritei: “boa noite! Estamos fazendo a travessia pela ferrovia, mas nos perdemos e estamos tentando chegar ao rio.” Ele então gritou de volta mandando seguirmos reto que chegaríamos a uma estrada, e o fizemos, chegando a estrada que corria em paralelo ao rio. Era por volta de 21h, estávamos muito cansados, com fome e quase sem água. Pela estrada, andamos mais uns 2km e avistamos um grande potreiro que terminava no rio, protegido por uma cerca baixa e um pouco deteriorada. Não pensamos duas vezes: pulamos a cerca e caminhamos em direção ao rio. Largamos as mochilas ao lado de um pequeno barranco que nos “escondia” um pouco de quem passava ao longe na estrada e dividimos as tarefas. Enquanto eu montava o acampamento, Carine buscou água no rio e começou a ferver para preparar o jantar. O padre foi procurar lenha para a fogueira, e logo estávamos sentados, descansando e jantando o melhor macarrão miojo que um mochileiro poderia comer! Hahaha.
Não havia lugar para prender a rede, então o padre optou por usar ela como cobertura tendo nossa barraca e um pequeno arbusto como base de uma “toca” improvisada. Muito roots esse rapaz! Haha. Terminamos o primeiro dia com a sensação de ter andado 100km de tão cansados, mas também com muita ansiedade em relação ao restante da travessia, sobretudo em relação aos viadutos e túneis que n

Acampamento do primeiro dia as margens do rio Guaporé

Continuação no próximo relato.