Diário de Mochila
Quarta-Feira, 23 de novembro de 2016 – 2° Dia
Deus age de formas misteriosas...
(15h)
Tive uma excelente noite de sono no motel, acordei pelas 8h,
comi um sanduíche de queijo que havia feito na tarde anterior e levado na
mochila, me despedi do Igor e caí na estrada, em direção a BR-101, de onde
pretendia pegar uma carona. O caminho até a BR não é longo, trajeto de poucos
KM, onde pela primeira vez pude sentir o peso da minha mochila nas costas, e
sinceramente, está muito pesada!
Em torno de 8km, que esmagaram meus ombros
nesse curto trajeto. Ao ir me aproximando de um posto de gasolina as margens da
rodovia, avistei uma placa que indicava o ponto turístico “Morro da Borussia”,
lugar muito conhecido na região e que eu nunca havia visitado. Decidi, por
impulso, ir conhecer. Estava cansado, mas ainda era cedo e eu não tinha pressa
e nem hora marcada para nada. Foi a primeira vez na viagem, que senti o sabor
incrível da verdadeira liberdade!
Do motel até o mirante do morro, caminhei (pelas minhas
contas) em torno de uns 10km. Cheguei ao mirante, quase desmaiando, com muita
sede, por ter levado e já tomado duas garrafas de água de 500ml. O peso da
mochila beirava o insuportável, já que eu nunca havia carregado tanto peso, e a
caminhada até o mirante foi muito íngreme e desgastante. (Minha vontade foi de
me deitar no chão e passar o resto do dia jogado ali...)
No mirante, fiz amizade com o vigia, João Milton, um rapaz
simpático pra caramba que me indicou onde encher as garrafas de água e me fez
várias perguntas sobre a trip. Valeu muito a pena o sofrimento quando vi a
vista lá de cima, onde em mais de 180°, é possível avistar diversas lagoas, o
oceano atlântico, as cidades de Osório, Tramandaí, Imbé, além da vista incrível
da grande usina eólica que fica na região.
O trajeto de volta ás margens da BR-101, foi tão desgastante
quanto o de subida, e nos últimos metros, já ao ter avistado o posto de
combustíveis que fica ali, tive o primeiro perrengue da viagem. Meu estômago
começou a acusar que algo não estava bem, e urgentemente, precisei de um
banheiro. Praticamente corri até o posto, e avistei o banheiro, que parecia um
oásis em meio ao deserto. Ao entrar, apressado no banheiro, com a mochila
gigante nas costas, mirei numa cabine vazia e adentrei a toda velocidade, pois
já estavam saindo lágrimas de sofrimento dos meus olhos. Eis, que minha
mochila, por ter a barraca e saco de dormir amarrada por fora, trava na porta e
me faz cair um baita tombo em meio a respingos de urina, sujeira e umas manchas
questionáveis... A situação que já estava péssima piorou, pois ao levantar,
descobri que não iria caber eu e a minha mochila abalhotada de coisas juntos
dentro do banheiro, sem que eu desamarrasse o que estava preso por fora dela,
(o que não era uma opção, dada a situação de emergência. Não podendo mais
aguentar, decidi perder o resto da minha dignidade; deixei a mochila pro lado
de fora da cabine, baixei as calças e aliviei o que me martirizava, com a porta
aberta, com um olho na mochila, e o outro nas pessoas que entravam no banheiro
e me julgava com olhares reprovadores... nesse momento, descobri que viajar como
mochileiro poderia me dar muitas realizações, mas glória não seria uma delas.
Naquele momento, minha mente me dizia pra voltar imediatamente pro conforto da
minha casa, mas algo dentro de mim, não me deixou desistir.
Saindo do banheiro, fui até um dos frentistas do posto e
perguntei se ali era fácil de conseguir uma carona para Torres-RS, e tive uma
assertiva como resposta. O rapaz me indicou, falar com um caminhoneiro que
havia estacionado a pouco no posto, e tinha placas de Três Cachoeiras/RS no
caminhão. 40 minutos depois de ter chegado ao posto, consegui minha segunda
carona da viagem, e parti em direção a Terra de Areia/RS, cidade vizinha de
Três Cachoeiras, cidade em que meu irmão Caio mora. Sandro Pereira era o nome
do motorista que me levou, em uma viagem de menos de 1h em que conversamos
sobre tudo! Ele conhecia meu irmão, que é gerente em uma filial das lojas
Lebes, e me deu dicas valiosas sobre a estrada e formas de conseguir carona.
Sandro me deixou na rodoviária de Areias Brancas, e gentilmente me pagou uma
passagem até Três Cachoeiras, aonde cheguei pelas 14:00h e fiz uma visita
surpresa pra minha cunhada Juliana e pras minhas sobrinhas, Leticia e Larissa.
(Machuquei o joelho quando cheguei à rodoviária, pois ao descer do caminhão,
prendi meu pé na alça da mochila e caí um tombo da escada do caminhão... será
que é o destino mandando eu voltar pra casa? Rsrs)
Minha cunhada preparou um almoço especialmente pra mim, e
comi como se não houvesse amanhã, tamanho o cansaço que me encontrava. Após o almoço,
decidi voltar pro ponto de ônibus e seguir viagem até Torres, que era cidade
vizinha já.
(23:37h)
Ao chegar a Torres/RS, fui da rodoviária direto pra região
que ficava um camping super barato, o qual eu havia visto o endereço na
internet. Para minha surpresa, ao chegar ao endereço, já após ás 17h, descobri
que o respectivo camping havia encerrado as atividades a anos...
Não sabendo muito bem como agir, pois não havia pensado em
um “plano B”, comecei a andar em direção a praia, cogitando a hipótese de
acampar pela areia. Visitei o Morro do Farol, ponto turístico da cidade, e lá,
um vendedor me informou haver um camping próximo à ponte do rio Mampituba, que
ficava do outro lado da cidade.
Comecei minha jornada em direção a ponte, sentindo a cada
passo todo o peso da mochila esmagar meus ombros, e já perto dás 18:30h,
horário de verão, passei na esquina de uma Igreja Católica, no momento em que o
sino soava anunciando a proximidade da missa. Mesmo precisando achar um lugar
pra ficar, e com a noite se aproximando, involuntariamente me dirigi a Igreja,
sentei num dos últimos bancos e coloquei minha mochila enorme a meu lado. Ao
mesmo tempo em que senti o alívio do peso tirado das costas e “folga” dada aos
joelhos, me senti envergonhado por ter chamado a atenção com meu jeito de forasteiro
e pela mochila em nada discreta...
Ao término da missa, fiquei um minuto sentado no banco,
criei coragem e me dirigi ao padre que celebrara, e o contei sobre minha
viagem, de forma clara e objetiva, e, enquanto éramos rodeados por alguns
fiéis, pedi com humildade, se poderia montar minha barraca dentro do pátio da
Igreja para passar a noite, já que o mesmo era cercado e me daria certa
sensação de segurança. O padre pareceu ficar desconfortável com o pedido, e senti
que não teria outra escolha senão dormir na rua...
Nesse momento, em que o sacerdote me olhava com olhar
apreensivo/curioso, um casal que acompanhava o diálogo perguntou meu nome, e se
prontificou a me deixar passar a noite na casa deles. Gerásio e Teresinha
tinham uma grande casa em um terreno no qual eram dispostos vários apartamentos
de aluguel, e num desses que me acomodaram para passar a noite. Foi uma atitude
incrível e muito bondosa a deles, e realmente me acolheram como um amigo de
longa data! Após um banho merecido, e a constatação de que meus ombros estavam
inchados e muito machucados pelo peso da mochila, fui até a casa do casal para
agradecer novamente a hospitalidade, e os dois, não me deixaram voltar ao
apartamento sem sentar a mesa e jantar com eles. No jantar, descobri que
Gerásio é um grande aventureiro também e adora viajar, porém, Teresinha era
mais caseira, e gostava do conforto do lar e companhia dos filhos. Foi uma
noite muito boa, em que percebi que Deus age de formas misteriosas, pois se não
tivesse mudado de ideia repentinamente e entrado na Igreja, não teria
conseguido hospitalidade, alimento e segurança pra passar minha segunda noite
na estrada...