Diário de Mochila
Quinta-Feira, 24 de novembro de 2016 – 3° Dia (Primeira
Parte)
(17:45h)
Hoje o dia foi definitivamente inesperado! Acordei cedo,
tomei café e me despedi do casal que me acolheu em Torres/RS. Em torno dás 9h,
caí na estrada em direção à ponte pênsil que marca a divisa do Rio Grande do
Sul com Santa Catarina, sobre o Rio Mampituba. Tirei algumas fotos, e comecei a
andar em direção a BR-101, onde Gerásio havia me dito que eu encontraria um
posto de fiscalização da Polícia Rodoviária Estadual, e provavelmente
conseguiria uma carona. Caminhei por uns 8km até chegar no respectivo local de
fiscalização, e lá, me animei ao ver que todos os caminhões com carga que
passavam da divisa, paravam para pesagem. Fiquei mais ou menos 30min abordando
motoristas e tentando uma carona, mas só recebi negativas e desculpas,
(provavelmente por prudência dos mesmos), então, decidi seguir caminhando pela
BR até encontrar um posto de gasolina onde pudesse ter melhor sorte. Depois de
alguns quilômetros percorridos sob sol forte e sentindo demais o peso da
mochila nas costas, fiquei sem água, e não via nem sinais de civilização. Nesse
momento, parou um carro alguns metros a minha frente e o motorista me perguntou
se eu precisava de uma carona. Graças a Deus! Haha
Nilton Nogueira era o motorista, morador de Praia Grande/SC,
estava voltando de Torres onde havia ido surfar pela manhã. Ele trabalhava como
guia nos cânions gaúchos e em trilhas daquela região, e me levou até um posto
de combustível que ficava ao lado de um grande atacado na beira da rodovia.
Que
vibe incrível desse cara, que já havia visitado diversos países e também
viajava como mochileiro. A estrada tem dessas, acaba colocando as pessoas
certas no nosso caminho, exatamente na hora que mais precisamos!
(18h)
Em Praia Grande/SC, fui deixado em um posto de gasolina que
ficava ao lado de um grande atacado. Em frente ao atacado, no estacionamento,
avistei um rapaz que acabará de sair de lá de dentro, comendo um Snickers e se
dirigindo ao seu carro. Abordei o mesmo, questionando se não ia em direção a
Laguna, que era meu próximo destino, e o mesmo acenou positivamente com a
cabeça, dizendo que ia até Criciúma/SC e poderia sem problemas me dar uma
carona até lá. Ao entrar no carro e iniciar a viagem, descobri que o rapaz, com
rosto de 20 anos, se tratava do competente médico Bruno Bristot, e que ele
também gostava muito de viagens. Identifiquei-me muito com ele pela forma de
pensar e achei a humildade em que ele me questionava sobre tudo e também falava
da vida dele incrível!
Bruno me levou até um posto na entrada da cidade de
Criciúma, e logo ao descer do carro, já consegui uma nova carona com um
caminhoneiro que acabará de almoçar. O motorista era gaúcho, da cidade de
Canoas/RS e estava levando uma carga para o norte de SC. Seu nome era Daniel De
Souza, e foi uma companhia muito agradável durante o trajeto até Laguna/SC.
Deu-me muitas dicas sobre como abordar os motoristas para conseguir mais
facilmente uma carona, como a dica de se manter sempre apresentável e com uma
roupa (na medida do possível limpa), para parecer com o estudante que eu dizia
ser. Haha
Daniel me contou sobre seu trabalho, estrada, família e
sobre o tempo que havia trabalhado na Petrobrás em SC. Muito gentil, me deixou
na entrada da cidade de Laguna, pelas 14h, onde começaram os verdadeiros
“perrengues” da viagem...
(21:30h)
Da entrada da cidade de Laguna/SC até o centro da cidade, há
uma distância considerável, distância que percorri de ônibus intermunicipal,
pagando R$2,90 a passagem até a rodoviária. Ao descer do ônibus, peguei a
informação com um taxista de que o camping mais próximo ficava após o centro
histórico da cidade, no alto do morro no qual também havia um mirante que se
podia ver toda a cidade, chamado de Morro da Glória.
O centro histórico da cidade é simplesmente incrível! Passei
por diversos prédios centenários, pela igreja matriz de Santo Antônio que tinha
mais de 300 anos e pela casa onde morou Anita Garibaldi, importante ícone da
Revolução Farroupilha. Pegando informações com algumas pessoas, cheguei à
estrada que levava ao mirante, no alto do morro. Fiz uma subida extenuante, até
as portas do camping indicado, que pra minha surpresa, estava fechado e só
abriria durante o mês de dezembro..
.
Segui o caminho até o mirante, já que estava ali, mesmo que
sem uma gota de água e encharcado de suor, e valeu muito a pena. Mesmo com a
visão um pouco encoberta pela vegetação, do mirante se consegue ver grande
parte da orla e cidade de laguna, e fiquei completamente apaixonado por aquela
vista! No mirante também tem uma imagem de nossa senhora gigantesca e de braços
abertos, onde havia algumas pessoas fazendo orações e tirando fotos. Lá de
cima, dava pra ver a barra de Laguna, onde eu sabia haver outro camping
próximo, pois já havia pesquisado na internet antecipadamente.
Decidi descer
novamente e seguir naquela direção até encontrar o respectivo camping.
A cada passo que eu dava, descendo a ladeira que me levaria
a um bairro cheio de comércios e prédios, (que depois descobri ser o verdadeiro
“centro” da cidade, chamado Praia do Mar Grosso, visto que a maioria dos
comércios se localizava ali), a mochila com seus quase 20km comprimia e
machucava meus ombros, enquanto a sede me torturava pelo sol escaldante de fim
de novembro. Andei em torno de 1h e 30min, com passos marcados e lentos até
chegar as portas do camping Molhes da Barra, e dar de cara com a placa de
aviso: “abriremos somente em dezembro, na semana do evento Moto Laguna”...
Eram passadas as 18:30h da tarde, estava com fome, sede,
cansado e não tinha onde passar a noite. Decidi andar em direção a praia, mesmo
que quase não pudesse mais agüentar o peso da mochila e a dor na planta dos
pés. Na praia, tirei a mochila, as botas de caminhada e meias, e fui molhar os
pés na água gelada do mar, ainda sem saber o que fazer. A praia estava quase
deserta, mas a insegurança em acampar sem proteção sem nunca ter feito isso
antes me deixava receoso. Sentei ao lado da mochila, e fiquei alguns minutos
vendo o mar, até que o improvável aconteceu...
Um cachorro pequeno, parecendo da raça York Shire correu na
minha direção e pulou no meu colo, me dando um baita susto! Nessa hora, uma
menina veio correndo para buscar ele e me pediu desculpas. Não perguntei o nome
dela, apenas sorri, tamanho era o meu cansaço. Ela sentou próxima de onde eu
estava, e se juntaram a ela outra menina, mais nova e um rapaz com dreads no
cabelo.
Nessa aproximação, vi uma oportunidade de conseguir algum lugar para
ficar, ou ao menos alguma dica que pudesse me ajudar. Me dirigi a eles
indagando se sabiam de outro camping que estivesse aberto naquele dia na
cidade. Para minha surpresa, me indicaram um lugar chamado “Barulho do Mar”,
que ficava muito próximo dali e que para chegar até lá eu precisaria atravessar
um canal de acesso ao mar com um barco que fazia a tal travessia de pedestres.
Agradeci, coloquei a mochila nas costas, já próximo de escurecer e parti rumo ao barco
para mais uma expediência única! Atravessei o canal pagando o valor de “passagem”
de R$1,50, e já do outro lado, segui em busca do tal Camping Barulho do Mar,
citado anteriormente. Andei poucos metros e cheguei ao camping que também
funcionava como restaurante, sendo atendido por uma das filhas do dono, a jovem
Helena. A moça me indicou o local onde eu poderia montar minha barraca, que
pela primeira vez seria armada desde que eu a havia comprado. Logo Helena e sua
irmã mais nova, Laura, sentaram-se num banco próximo a mim, visto que eu era a
atração no momento, por ser o único campista naquele dia em função da data fora
de época, e começaram a rir de mim, pois eu não fazia a menor ideia de como montar
aquela barraca! Kkk
Laura prontamente veio me ajudar e me ensinou passo a passo
o sistema de montagem das varetas e lonas, assim como me deu a dica do melhor
lugar para montar o acampamento em função do forte vento que poderia soprar do
mar a noite. Fiz amizade com os três filhos dos donos do camping, Helena, a
mais velha, tem 17 anos e cursa Direito em uma faculdade da cidade de
Tubarão/RS. Laura tem 14 anos e é muito esperta e alto astral. João é o mais
tímido dos três, tem cabelo cumprido e uma baita marra de surfista. Gostei
muito deles e logo contei sobre a trip e minha trajetória para chegar até ali.
Muito cansado, após um merecido banho, cozinhei o melhor
macarrão instantâneo da minha vida, comi e fui deitar. Minha fome era tremenda,
visto que eu só havia tomado café da manhã neste dia, e ainda, caminhado mais
de 20km no sol escaldante até chegar neste momento.
No final deste dia longo e louco, chego à conclusão de que
as coisas que realmente importam o dinheiro não pode comprar. O esforço,
dedicação e otimismo podem me levar onde eu quiser chegar! Deitado dentro da
barraca, ouvindo o barulho do mar e o vento em harmonia lá fora, tenho a
sensação de que ficaria a vida toda aqui. E pensar que demorei tento tempo para
partir, para me permitir essa experiência de autoconhecimento. Agora entendo
que a beleza dos lugares não está nos cartões postais, mas sim, nas pessoas que
encontramos no caminho.
Felicidade não se encontra no destino, mas na viagem...